De seis a doze meses: esse é o tempo médio entre a coleta da semente na mata e o desenvolvimento de uma muda em um viveiro. Depois de plantadas no solo, as mudas levam entre quatro a 15 anos para atingir um ecossistema produtivo, capaz de prover alimentos, óleos, madeiras, entre outros produtos para quem maneja a floresta.
No Marajó, cerca de 300 famílias agroextrativistas estão engajadas neste serviço minucioso e essencial à restauração do ecossistema. Por meio de uma rede de 24 viveiros comunitários impulsionados pelo projeto Marajó Socioambiental, desde 2021, já foram plantadas mais de 250 mil mudas agroflorestais nos municípios de Portel, Breves, Melgaço e Curralinho, no Pará.
A iniciativa é desenvolvida pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), com apoio financeiro do Fundo Socioambiental da CAIXA, além da parceria com comunidades, associações e cooperativas dos territórios envolvidos, e com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio), que apoiam alguns dos viveiros.
A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu que 2021-2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas, um apelo para estimular a revitalização dos ecossistemas em todo o mundo. A partir deste e de outros compromissos internacionais assumidos, o Brasil criou o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), iniciativa que prevê a restauração de 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Em âmbito estadual, o Governo do Pará se comprometeu a recuperar 5,6 milhões de hectares no mesmo período, por meio do Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA).
Desafios – No contexto amazônico, um dos maiores desafios para o atendimento destas metas é a disponibilidade de sementes e mudas agroflorestais da região. “A maioria das espécies da Amazônia tem dormência, ou seja, uma dificuldade de germinação, então para cultivar essas mudas é preciso ter pesquisa e subsídios. A Embrapa, por exemplo, tem muito material sobre algumas espécies, porém ainda não há um incentivo para a produção, em larga escala, dessas espécies”, afirma a engenheira agrônoma e analista socioambiental do IEB, Deborah Pires.
Uma das metas do projeto Marajó Socioambiental é o plantio de 500 mil mudas até o final de 2024. Por conta da escassez de sementes e mudas agroflorestais em larga escala, o projeto abordou uma estratégia de engajamento comunitário, envolvendo os agroextrativistas em formações sobre Sistemas Agroflorestais (SAFs) e mutirões de plantio.
Entre janeiro e outubro, as comunidades focam em processos ligados à coleta de sementes e ao cultivo de mudas nos viveiros. De novembro a julho, é realizado o plantio. “Esse processo é muito importante, né, porque assim a gente consegue produzir essas mudas, da nossa região, e a gente consegue plantar e reflorestar as áreas que estão degradadas. E a gente vê a satisfação, né, agora nessa última semana saiu o recurso dessas mudas, onde as famílias que produziram foram contempladas. Depois desse repasse dos pagamentos, muitas famílias estão procurando a gente para fazer parte dos viveiros e isso é um meio de incentivar a produção de mudas e a gente tentar pelo menos amenizar o sistema climático, tentando reflorestar as áreas que estão degradadas”, conta Edineide Araújo, agricultora da comunidade Jesus Misericordioso, situada na Estrada de Breves.
Outro desafio enfrentado pelas comunidades para atender a demanda de restauração florestal em larga escala é a formalização de suas organizações. Para o beneficiamento e a comercialização de sementes para fora de seus territórios, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) exige o Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem). Além disso, é preciso enviar as sementes coletadas para uma Unidade Básica de Beneficiamento (UBS) para atestar a qualidade. Atualmente o estado do Pará possui apenas uma UBS, instalada em Tucuruí, e um laboratório de análise de qualidade de sementes certificado, situado na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Uma das iniciativas para contornar esse desafio é a “Estratégia de Rede de Sementes do Estado do Pará”, que está sendo elaborada pelo Ideflor-Bio, em parceria com o IEB. “O objetivo é organizar a cadeia de produção de sementes em áreas de florestas públicas paraenses para serem utilizadas nas ações de restauração florestal, em concordância com o Plano de Recuperação da Vegetação Nativa do Estado do Pará. Para tanto, estudam-se as maneiras adequadas de fornecer capacitações técnicas, facilitar e incentivar a certificação nas etapas de coleta, beneficiamento e comercialização de sementes em seis núcleos do Pará”, comenta Deborah Pires.
Com esses movimentos, a perspectiva é que comunidades agroextrativistas, inclusive as que estão localizadas em florestas públicas, consigam se fortalecer e ser uma opção para o atendimento da demanda institucional de sementes e mudas agroflorestais.
“A expectativa da [comunidade] Jesus Misericordioso, é a gente produzir e plantar 20 mil mudas. É importante a gente tentar amenizar para que as gerações futuras possam ter uma vida melhor no campo, na cidade, porque a gente vê que as coisas estão muito perigosas, né, no sentido da vida, porque a gente vê lugares por aí pegando fogo. É muito importante a gente participar desse processo e ajudar a fazer a diferença no nosso planeta e no nosso município”, reflete Edineide Araújo.