A cultura alimentar paraense ganhou espaço em uma sala de aula na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em uma iniciativa interdisciplinar da matéria de “Alimentação e Cultura”, ministrada para o curso de Nutrição, os sabores e saberes do Norte do Brasil foram tema central de uma aula teórico-prática conduzida pela pesquisadora paraense Isabella Bahia, a convite da professora Rúbia Giordani.
Com foco na cozinha regional nortista, especialmente a do Pará, a atividade foi realizada no Laboratório de Técnica Dietética da UFPR. Durante o encontro, os estudantes não apenas discutiram aspectos culturais e sociais da alimentação, mas também prepararam pratos típicos da região, como o creme de cupuaçu, pão de tapioca com castanha-do-pará, o tradicional bolo podre e a bala feita da semente do cupuaçu.
“Quando falamos de cozinha regional, falamos da construção de significados em torno da comida de um grupo de certa região, do encontro de elementos e significados do ato de se alimentar associados às práticas culinárias com suas preparações particulares e com ingredientes nativos de cada região”, disse a professora Isabella Bahia.
A aula na UFPR teve como objetivo mostrar que discutir alimentação é, também, debater cultura, identidade, meio ambiente e futuro. Em um momento em que o mundo volta os olhos para a Amazônia com a proximidade da COP30, iniciativas como essa revelam que a comida é uma potente ferramenta de transformação social, ecológica e política.
Educação alimentar como ferramenta para a sustentabilidade
A proposta da aula dialoga diretamente com temas que estarão em destaque na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que vai ocorrer na cidade de Belém, em novembro deste ano (2025). Para Isabella, o momento é oportuno para conectar práticas educativas com discussões globais sobre alimentação, sustentabilidade e justiça social.
“É fundamental a difusão dessas informações como forma de contato, aprendizagem, educação alimentar, nutricional e ambiental crítica, reflexiva, afetuosa e transformadora em pequenos e grandes espaços, de modo intersubjetivo e interrelacional. Essencial que se conheçam outras pessoas, culturas, saberes, outras formas de empatia com outros cenários. Nesse caso, para proporcionar valorização da nossa biodiversidade brasileira”, afirmou a professora.
Além disso, Isabella Bahia também destacou o papel estratégico da agricultura familiar, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais da Amazônia no combate às mudanças climáticas que são enfrentadas atualmente.
“A agricultura familiar participa da mitigação de mudanças climáticas por representar um sistema alimentar sustentável e saudável, que promove a redução de gases de efeito estufa e resistência de ecossistemas. As práticas de manejo sustentável dos recursos naturais comumente utilizadas, como preservação do solo, excluem a necessidade de insumos externos que são maléficos às pessoas, aos alimentos e animais, porque sua elaboração e uso também se associam com a emissão de gases de efeito estufa”, completou Isabella.
Gastronomia como memória e resistência
As receitas preparadas durante a aula não foram escolhidas ao acaso. Segundo Isabella, ela optaram por utilizar ingredientes fáceis de serem encontrados não somente na região Norte, mas também na região Sul do país, como mandioca e cupuaçu. Além disso, as professoras buscaram levar para aula pratos que possuem significados afetivos e históricos da região norte.
“Também queria abordar aspectos como influências dos povos originários e processo de domesticação do fruto, como o Cupuaçu, e os impactos socioambientais diversos. Procurei ainda falar de como um ingrediente base tem muitas possibilidades na nossa culinária, como a mandioca”, declarou.
Além das receitas, a aula também abordou elementos simbólicos da cultura amazônica, como o carimbó, as cerâmicas tradicionais e os adornos feitos com sementes de frutos nativos. A proposta foi mostrar que a cultura alimentar está presente em todos os aspectos da vida, do prato à dança, da música ao vestuário.
Entre os destaques da aula, o que mais chamou atenção foi a bala feita com a semente do cupuaçu, um doce caseiro comum no interior do Pará, pouco conhecido em outras regiões do Brasil.
A receita é simples e é passada de geração em geração. Para fazer o doce, é necessário utilizar apenas as sementes do fruto e açúcar, que devem ser caramelizados no fogo lentamente até adquirir textura firme e brilho dourado.
“É uma receita muito comum na minha família de Belém e do interior do Pará. Usar das narrativas da minha história é uma forma carinhosa de envolver as pessoas a quem eu ensino para construir conhecimentos, como a partilha dessa receita. Essa receita me lembra muito da minha mãe porque ela sempre faz e guarda em um potinho como se fosse um tesouro, pra comer com farinha depois do almoço”, compartilhou a professora Isabella Bahia.