Fossa ecológica é alternativa para tratamento sanitário na Amazônia

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Imagine um tratamento sanitário feito com a ajuda da natureza, ou mais especificamente: com a ajuda das plantas. Assim é a Bacia de Evapotranspiração (BET), também conhecida como fossa ecológica, fossa de bananeiras ou tanque de evapotranspiração. O sistema é uma alternativa eficiente para tratamento do esgoto e que funciona independente da rede pública. Na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), campus Capitão Poço, essa tecnologia é a base do Projeto BET, coordenado pela professora Thaisa Pegoraro e a bióloga Danielle Cristina Arruda.

Até o momento, três BETs já foram instaladas no município de Capitão Poço e região a partir do projeto. Mas as comunidades do entorno também são beneficiadas. Em setembro, mais seis serão construídas, três delas na aldeia Itwaçu, na Terra Indígena do Alto Rio Guamá, etnia Tembé, localizada no município de Santa Luzia do Pará. “Apresentamos o projeto ao cacique Piná e visitamos a aldeia, conversamos com a comunidade e identificamos que três residências não tinham fossa de nenhum tipo. Nós priorizamos esses locais, em comunidades rurais que não possuem acesso a esgoto, banheiro ou ainda possuem fossa rudimentar”, diz a professora. As obras de construção das BETs na aldeia devem começar a partir do dia 04 de setembro.

A fossa é feita a partir da reutilização de materiais da construção civil (cimento, restos de tijolo e concreto), além de seixo, areia e pneus. Em seguida são construídas várias camadas, com diferentes tamanhos de materiais que vão receber o esgoto sanitário. Na superfície, é plantado um jardim com bananeiras, tajás e mamoeiros. “A estrutura do banheiro é igual às demais, o que muda é que a fossa é um canteiro”, explica a professora.

Mas uma fossa com canteiro muda tudo.

Embora a BET seja uma tecnologia conhecida e aplicada por pesquisadores ao redor do mundo, pouco ainda se usa na Amazônia, onde, segundo a professora, a instalação resolveria muitos problemas ligados ao saneamento. A Política Federal de Saneamento Básico, instituída em 2007 e atualizada em 2020, estabelece a meta de que até o final de 2033, 90% da população brasileira tenha acesso à coleta e tratamento do esgoto.

Uma meta importante, pois só no estado do Pará cerca de 91,5% da população ainda não possuía acesso à coleta de esgoto em 2022, segundo dados do Painel de Saneamento do Trata Brasil, coletados a partir de informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Isso significa que 7.429.733 paraenses sobreviviam, ou ainda sobrevivem, sem saneamento e expostos à diversas doenças associadas à falta desse serviço. “Nós esperamos conseguir divulgar ainda mais essa proposta, para que chegue a mais pessoas. É uma alternativa fantástica que não causa poluição do solo, não polui as águas subterrâneas e nem as superficiais”, diz.

A BET

E como tudo isso funciona? Se na fossa convencional o esgoto é filtrado pelo solo, na BET não é assim. “No nosso sistema, quem faz o trabalho de filtragem dos dejetos são as diferentes camadas de materiais que colocamos no interior da BET”, diz. Dentro do sistema ocorre a fermentação, o processo de degradação. “O esgoto, a parte grosseira, lodo e dejetos são degradados pelas bactérias que estão dentro da fossa”, explica a professora.

Segundo a coordenadora, apenas 1% do esgoto é material sólido. Os outros 99% são líquidos. É aí que entram as plantas. “A parte líquida passa pela filtragem das camadas de entulhos, até que chega para ser absorvida pelas plantas, que vão drenar a água para a atmosfera. Quem retira essa água do sistema são as plantas com alto potencial de evapotranspiração, que tem muitas estruturas, os estômatos, e que fazem a liberação da água para a armosfera”.

Em cada BET são instalados canos de inspeção, para fazer a análise desses efluentes. “Baseado nas primeiras análises realizadas o sistema tem se mostrado extremamente eficaz no processo de redução da carga poluidora do efluente. Nosso objetivo é a cada dois meses fazer essa coleta para inspeção e análise”, diz.

Para uma residência com cinco moradores, o material para instalação de uma BET custa em torno de R$ 1.500,00, sem a mão de obra, o que representa um custo alto para as comunidades. É aí que entram os financiadores e apoiadores da iniciativa. No Projeto BET, o material de construção é financiado pelo Banco da Amazônia (BASA), enquanto a coleta de entulhos, pneus e a mão de obra para a construção é de responsabilidade da própria comunidade interessada em receber a BET. O prazo de construção das BETs depende da liberação dos recursos, o que ocorre via Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp).

A consultoria, orientação dos trabalhos e monitoramento fica a cargo de uma equipe de 30 pessoas, formada por professores biólogos, engenheiros florestais, agrônomos, técnicos e alunos, além de parceiros, como Casa da Mata de Brangança e da pesquisadora Kelle Cunha de Nazaré. “Nós fazemos ainda a capacitação dos moradores. Não é só demonstrar e pronto, a gente chama toda a comunidade para que no futuro seja possível que eles atuem como multiplicadores e possam instalar eles mesmo outras BET na comunidade”, explica Thaisa Pegoraro.

A primeira BET do projeto foi instalada na UFRA, que atende dois banheiros e funciona como uma unidade demonstrativa, onde a equipe recebe a visita de escolas, representantes de órgãos públicos e da comunidade, que chegam à universidade interessados em conhecer como funciona a “fossa de bananeiras”. Outra BET foi instalada em uma residência em área rural e uma terceira na Escola Municipal de ensino fundamental Humberto Fernandes, no município de Garrafão do Norte, onde cerca de 60 alunos são atendidos pela fossa ecológica. As próximas instalações, além da aldeia indígena Itwaçu, vão contemplar comunidades rurais do município de Irituia, da Cooperativa D’Irituia, e pelo menos 200 alunos e funcionários da Escola de Ensino Fundamental e Médio Dionísio Hage, na Vila Colônia, em Capitão Poço.

A equipe aproveita o período chuvoso para fazer as visitas e o tempo mais seco para iniciar as construções. A meta inicial é de construir 20 BETs até o final de 2026, quando encerra o projeto. Para a professora, mais importante é pensar na quantidade de pessoas beneficiadas. “Não sei se vamos conseguir alcançar essa meta, mas desde que começamos pelo menos 100 pessoas já foram beneficiadas. Até o final do projeto esperamos que esse número suba para mais de 600 pessoas”, comenta.

Quem tiver interesse na BET precisa preencher um formulário disponibilizado no site do projeto: https://betcp.ufra.edu.br/index.php?lang=pt

Outras informações também podem ser obtidas no instagram do projeto: @bet.ufra

Por Vanessa Monteiro/Ufra

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