Cerca de 40 indígenas Tembé da aldeia Herekohaw, em Santa Luzia do Pará, agora têm acesso a água potável e saneamento básico por meio de soluções ecológicas e autossustentáveis. O avanço foi possível graças ao projeto “Saneamento ecológico em aldeia indígena Herekohaw”, desenvolvido pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) com apoio financeiro do Ministério do Meio Ambiente e do Clima (MMA). O modelo, que alia ciência, saber tradicional e respeito ao meio ambiente, será apresentado como vitrine brasileira na Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP 30), em Belém.
Projeto leva autonomia hídrica à comunidade Tembé
O sistema implantado inclui três estruturas de captação de água da chuva e quatro tanques de evapotranspiração (Tevap), conhecidos como fossas ecológicas. As tecnologias permitem que a comunidade tenha acesso contínuo a água limpa e realize o tratamento dos resíduos sem depender da rede pública.
De acordo com a professora Vania Neu, coordenadora do projeto, a iniciativa surgiu diante da dificuldade de acesso à água potável na Amazônia. “Quando chovia, as fossas transbordavam, e quando o rio secava, faltava água. As mudanças climáticas tornaram o cenário ainda mais crítico”, relatou.
Adaptação às mudanças climáticas
A intensificação das secas na região aumentou o risco de escassez hídrica. A captação e o armazenamento da água da chuva surgem, portanto, como uma solução resiliente frente às variações climáticas. “Hoje utilizamos reservatórios de até 5 mil litros por família, para garantir água potável mesmo nos períodos mais secos”, explicou Vania.
Durante o inverno amazônico, o excedente de água pode ser usado para tarefas domésticas, como lavar roupas e limpar a casa. Mas na estiagem, o consumo é restrito à alimentação e à hidratação. “É triste pensar em racionar água na Amazônia, mas esse é o cenário atual”, lamentou a pesquisadora.
Inovação tecnológica e autonomia comunitária
Os sistemas instalados funcionam sem energia elétrica, utilizando apenas a força da gravidade. As três cisternas da aldeia têm capacidade total de 10,5 mil litros, suficiente para atender toda a comunidade. Um diferencial do projeto é a presença de cloradores automáticos, que realizam a desinfecção da água sem a necessidade de hipoclorito manual. Após a cloração, o líquido passa por filtros de carvão ativado, resultando em água limpa e sem gosto de cloro.
Fossas ecológicas: saneamento sustentável
As fossas ecológicas Tevap, também conhecidas como bacias de evapotranspiração, tratam os resíduos por meio da ação conjunta de camadas filtrantes e plantas como bananeiras e helicônias. O sistema transforma o esgoto em nutrientes para as plantas, devolvendo água limpa à atmosfera sem contaminar o solo. “O banheiro é comum, mas a fossa é um jardim”, resume Vania.
Expansão para escolas indígenas
A Escola Estadual Indígena Itapuyr, que atende estudantes de cinco aldeias Tembé, também foi beneficiada com um sistema de captação de chuva com capacidade de 8,5 mil litros. A estrutura atende 51 alunos e 26 funcionários e serve como modelo de aprendizado e replicação para outras comunidades.
Tecnologia social a serviço da Amazônia
Segundo Vania Neu, as soluções desenvolvidas pela Ufra são simples, de baixo custo e adaptadas às realidades locais. “Muitas vezes, sistemas convencionais não funcionam na Amazônia. As condições geográficas e culturais exigem tecnologias específicas, que respeitem o território e fortaleçam a autonomia das comunidades”, destacou.
Ela ressalta que a água potável não depende apenas de poços artesianos — muitas vezes inviáveis ou contaminados por ferro e salinidade. “As soluções baseadas na captação de chuva são acessíveis e sustentáveis. Com elas, podemos transformar a realidade de centenas de comunidades ainda sem acesso à água segura”, concluiu.

COM INFORMAÇÕES DE ASCOM/UFRA


